20 julho 2004

ferias

tenho tanta coisa para dizer a ninguém. não sei se me ouvem mas eu vou falando pelos cantos redondos da solidão. um livro encostado numa cabeceira pede que se vivam estórias mortas de seres que nunca o foram. estou preocupada. a leitura esbate-se, num quedar melancólico de quem já não tem força para absorver mais. entro num estado de hipnose, fixo as luzes apagadas no tecto e vislumbro sombras ilusórias. quem lá está perdeu-se na memória. vê-se agora um corpo reunido na nulidade de cada um dos que vieram e me sorriram, formam um todo e estão vermelhos como pulsante sangue. tento comunicar. e lá mais para longe não me ouvem. precisava de falar com cada uma das minhas partes. não falarei com o coração, é um emaranhado de vidas presas por uma teia que não os consegue unir. (e talvez vocês não percebam isto mas é o que sinto). a ti, meus olhos, minhas mãos, minha parte tremente, adoro-te e agradeço-te, espero pelo teu abraço sempre. a ti meus ouvidos, que sabes o que mais ninguém sabe, obrigada por escutares com tanta atenção, mesmo quando não se diz nada. a ti minha boca, obrigada por preencheres com palavras e carinho todos aquelas vezes em que me sinto só e frágil. a ti meu cabelo, obrigada por me aconchegares sempre, enquanto te escondes pelo meu pescoço, sem nada dizer. e a ti, meu pescoço, agradeço pela força, pelas risadas, pela partilha do espaço. a vós, meus seios, que sempre procuraram meus olhos, agradeço-vos por me mostrarem cada vez mais coisas e mais bonitas. a ti experiência, que nem sempre és palpável, já sabes porque digo obrigada, por me dares a conhecer pela primeira vez a amizade, deixando-me vislumbrar sempre todas as outras que foram surgindo a partir daí. a ti minha música, obrigada por me mostrares o mundo. a vós, minhas pernas, meus joelhos, meus pés agradeço em comum. por serem vocês quem me aguenta, por serem vocês quem me consola, por serem vocês que estão comigo. por fim, a vós, meu umbigo, que me poliram tão bem e a quem muito desiludi agradeço por tudo, pela vida, por ser quem sou, e (embora quase nunca eu o veja) por serem tão bons e dedicados.
o corpo vai-se esvanecendo e estão a desaparecer os contornos daquela musa tão delicada que é a memória. nada me afecta neste instante de leveza. vou pra lá do fim, sem saber quando volto. vou pra lá da noite, adormecer numa calma diferente, numa noite diferente, num sono diferente. os olhos pesam-me e continuo sem saber para onde me leva o meu inconsciente bravio e isento de desejos. quedam-se-me os braços por terra, desaparecem as forças que me sustêm. apagam-se-me os sentidos e sei que a noite acabou.

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