a mulher omissa
«A mulher omissa olha-se ao espelho. Olha-se ao espelho e pensa que se pergunta. Mas nem da interrogação tem a certeza ou a mais pequena ideia. Vê-se em toda a sua beleza ou fealdade, de acordo com o humor e o estado do tempo, e sabe que procura qualquer coisa para se questionar. Poderia eventualmente ocorrer-lhe perguntar a si mesma se valeu a pena, se tudo valeu a pena, se alguma coisa valeu a pena. Mas ela não se consegue questionar, pensar, achar ou sentir o que quer que seja. Diante dos olhos da mulher omissa repousa apenas a imagem de uma mulher omissa, como um quadro antigo sem qualquer outra expressão senão o de uma mulher diante de um espelho olhando uma mulher vagamente presente, vagamente ausente.
(...)
A mulher omissa é omissa sem saber da sua própria omissão. A mulher omissa olha-se ao espelho e procura qualquer coisa que já lá não está. Valeu a pena? A mulher omissa encara-se ao espelho e só encontra a sua própria omissão.»
de Carlos Geadas