05 julho 2008

uma parte de mim ficou para sempre diferente

cheguei quinta-feira a noite da maior viagem da minha vida..
agora, sentada na minha cama, depois de ler as palavras de alguem que me acompanhou durante estas semanas, nao consigo evitar o derramar escorrido pela minha face abaixo..
"a cold and broken hallellujah", e o que no momento sinto..
um raio de esperança e alegria, trespassado por uma inexplicável sensação de desalento e descrédito no mundo..
chegamos 35, de todos os lados, e em poucas horas já sabíamos o nome de cada um, de onde vinha, a razão por que ali se encontrava..
nas caras de cada um havia curiosidade, questões, dúvidas, receios.. e também muito entusiasmo, vontade, desejo de fazer algo, aprender, saber mais, experienciar cada momento..
pensei eu que estava preparada.. pensei eu saber, mais ou menos o que iria encontrar.. um país desgastado pelas marcas e sequelas duma guerra em que os dedos das mãos e dos pés já não chegam para contar sequer metade dos anos vividos em conflito naquela região..
pensei saber que iria encontrar cenas chocantes, histórias de vida aterrorizantes.. e pensei ter dentro de mim tudo o que seria necessário para com isso lidar..
na verdade, tudo mudou nos primeiros dias..
eu não tinha nada para ensinar aquelas pessoas..
eu pensei que pudesse encorajar e dar força a muitos dos que lá estão e vivem o conflito diariamente.. eu pensei poder ser uma forma de esperança que vai daqui para lá, com muitos quilos de roupa e energia..
mas do que me apercebi foi que eu não tinha assim tanto para lhes dar.. aliás, comparado com o que vivi, partilhei e recebi do outro lado, eu não tinha nada.. até a mais nova e brincalhona criança do campo de refugiados tinha mais para me ensinar do que eu alguma vez tinha aprendido entre livros e outras vivências..
tenho milhentas histórias na mente e a cirandar pelo coração que me dilaceram a cada segundo em que me sento neste confortável quarto.. tenho centenas de imagens de degradação, humilhação, desgaste, frustação que não pensei nunca sequer imagináveis na mais terrível das circunstâncias..
e neste momento, dentro de mim há apenas uma vontade de gritar, de berrar bem alto, do fundo dos pulmões.. contra todas as injustiças que vi e testemunhei, contra todos os vergonhosos actos que são despostos nestas pessoas em cada hora das suas vidas..
e tenho também em mim uma gratidão imensurável e sempre eterna a todas aquelas pessoas.. pelos momentos, pelas histórias, pelo seu conforto (que pensei sempre, do meu egoísta ponto de vista, ser eu a dar e nunca a receber) e pelo seu carinho incessante.. sobretudo, agradecer-lhes pelo amor que têm para dar a cada momento, pela falta de ódio que transparece em todos os seus sorrisos e pela coragem que não pára nunca.. pela sua capacidade de resistência..
a minha mente vagueia.. lembra-se e relembra-se de estórias que nunca pensei possíveis.. quebro-me com as imagens retidas..
e só posso sentir-me inspirada pela vontade que todos eles têm em continuar, em lutar pelos seus direitos.. de forma digna e corajosa..
uma parte de mim será sempre diferente a partir de agora.. uma parte de mim terá sempre os olhos postos nesta gente.. uma parte de mim olhará sempre com respeito e admiração todas as faces que pra mim sorriram nestas semanas..
e só tenho a dizer: Palestina, uma terra de coragem, uma terra de valores, uma terra que será sempre livre.. mesmo que não o seja, agora, na realidade, o é espírito.. agora e sempre