06 julho 2011

"Todo dia morre um amor. Quase nunca percebemos, mas todos os dias
morre um amor. Às vezes de forma lenta e gradativa, quase indolor,
após anos e anos de rotina. Às vezes melodramaticamente, como nas
piores novelas mexicanas, com direito a bate-bocas vexaminosos,
capazes de acordar o mais surdo dos vizinhos. Morre em uma cama de
motel ou em frente à televisão de domingo. Morre sem beijo antes de
dormir, sem mãos dadas, sem olhares compreensivos, com gosto de
lágrima nos lábios.
Morre depois de telefonemas cada vez mais espaçados, cartas cada vez
mais concisas, beijos que esfriam aos poucos. Morre da mais completa e
letal inanição.
Todo dia morre um amor. Às vezes com uma explosão, quase sempre com um
suspiro. Todo dia morre um amor, embora nós, românticos mais na teoria
que na prática, relutemos em admitir. Porque nada é mais dolorido do
que a constatação de um fracasso. De saber que, mais uma vez, um amor
morreu. Porque, por mais que não queiramos aprender, a vida sempre nos
ensina alguma coisa. E esta é a lição: amores morrem.
Todos os dias um amor é assassinado. Com a adaga do tédio, a cicuta da
indiferença, a forca do escárnio, a metralhadora da traição. A sacola
de presentes devolvidos, os ponteiros tiquetaqueando no relógio, o
silêncio insuportável depois de uma discussão: todo crime deixa
evidências.
Todos nós fomos assassinos um dia. Há aqueles que, como o Lee Harvey
Oswald, se refugiam em salas de cinema vazias. Ou preferem se esconder
debaixo da cama, ao lado do bicho papão. Outros confessam sua culpa em
altos brados e fazem de pinico os ouvidos de infelizes garçons. Há
aqueles que negam, veementemente, participação no crime e buscam por
novas vítimas em salas de chat ou pistas de danceteria, sem dor ou
remorso. Os mais periculosos aproveitam sua experiência de criminosos
para escrever livros de auto-ajuda, com nomes paradoxais como "O Amor
Inteligente" ou romances açucarados de banca de jornal, do tipo "A
Paixão Tem Olhos Azuis", difundindo ao mundo ilusões fatais aos
corações sem cicatrizes.
Existem os amores que clamam por um tiro de misericórdia: corcéis feridos.
Existem os amores-zumbis, aqueles que se recusam a admitir que
morreram. São capazes de perdurar anos, mortos-vivos sobre a Terra
teimando em resistir à base de camas separadas, beijos burocráticos,
sexo sem tesão. Estes não querem ser sacrificados e, à semelhança dos
zumbis hollywoodianos, também se alimentam de cérebros humanos e
definharão até se tornarem laranjas chupadas.
Existem os amores-vegetais, aqueles que vivem em permanente estado de
letargia, comuns principalmente entre os amantes platônicos que
recordarão até o fim de seus dias o sorriso daquela ruivinha da 4a.
série ou entre fãs que até hoje suspiram em frente a um pôster do
Elvis Presley (e pior, da fase havaiana). Mas titubeio em dizer que
isso possa ser classificado como amor (Bah, isso não é amor. Amor
vivido só do pescoço pra cima não é amor).
Existem, por fim, os amores-fênix. Aqueles que, apesar da luta diária
pela sobrevivência, dos preconceitos da sociedade, das contas a pagar,
da paixão que escasseia com o decorrer dos anos, da mesa-redonda no
final de domingo, das calcinhas penduradas no chuveiro, das toalhas
molhadas sobre a cama e das brigas que não levam a nada, ressuscitam
das cinzas a cada fim de dia e perduram: teimosos, belos, cegos e
intensos. Mas estes são raríssimos e há quem duvide de sua existência.
Alguns os chamam de amores-unicórnio, porque são de uma beleza tão
pura e rara que jamais poderiam ter existido, a não ser como lendas."

by unknown