o que me prende tanto a Amesterdão?
Ontem tive uma festa de aniversário em casa. Um amigo que adora cozinhar.
O festim foi de:
Butternut (uma abóbora longa e lânguida, muito laranjinha) recheada de pera e maçã com um molho de mel e rosmaninho.
Galinha envolta em Bacon e queijo, assada no forno (não para as minhas entranhas).
Atum fresco grelhado em sumo de limão.
Espargos com molho de laranja.
Salada de pasta com anchovas, azeitonas, queijo e salsa.
Batatas com alecrim.
Falafel (made from scratch).
Pão fresco e quentinho.
Tarte de morangos.
Serradura.
Que melhor maneira de começar uma noite agradável?
Comemos e bebemos. Falámos de coisas ridículas e da vida de cada um.
Mais tarde descemos ao Doos, a minha sala de estar por excelência nesta cidade. Um pequeno bar, cheio de caras familiares e pessoas gentis (umas mais, outras menos).
E no início da noite não estava com grande vontade de conversas e discussões e partilha com pessoas. Até que acabei a cerveja que tinha na mão e decidi subir ao primeiro andar do Doos para ver o que se passava.
Começámos por falar de coisas triviais, o tempo (que os holandeses tanto adoram debater),
as férias, as actividades de cada um.
Entrámos no campo das minorias. Sexuais, étnicas, culturais. Na necessidade de sair, de mostrar o normal, de assumir.
Passámos pelos voluntariados, pelos polos do egoísmo e altruísmo. Falámos da necessidade de descer no nível original de hipocrisia em que somos criados. Da vontade de fechar portas e abrir outras, talvez no meio do Gana, entre um rapazinho que vai ter saudades ou no meio de nenhures, perto de alguém que nunca se esquecerá. Na impossibilidade de renunciar todo um mundo de crenças em que somos criados, mas na possibilidade de as reduzir ao amplificar os campos de visão.
E mais tarde entrámos no campo das teorias da conspiração. Estados Unidos, Israel, Irão, Tibete, China, os grandes monopólios e as pequenas grandes estruturas nacionalizadas que serão criadas (tal como num longínquo "1984" que só agora começo a descobrir). Na possibilidade de criação de novas identidades. Que não trarão qualquer diferença ao mundo, a não ser pela possibilidade de complicarem ainda mais o caos já existente.
E discutimos, ouvimos, tentámos perceber, questionar, solucionar. Num desejo sôfrego de mudar algo, de fazer algo.
E fiquei com muitos resquícios desta noite na cabeça:
"look out for number one".
"fuck the others that are so far away".
"don't think about the police-state being created in China, under the concept of comunism (which is really a true capitalistic interested nation), but rather think about the police-state which is being created right here".
"think global. act local".
"think local, act local".
"think local, act global".
"let's all combine them. let's all care about what's going on in our own land, while not forgetting what's happening in others"
e lá fomos nós divagando por um mundo de problemas e soluções e respostas pra perguntas que não existem.
lá fora os pássaros já cantavam. a responsabilidade do dia seguinte latejava na minha cabeça.
e eu não queria deixar esta noite e tudo o que nela descobri, aprendi, assimilei e questionei.
muitas das minhas noites são assim passadas.
e esta sensação de poder discutir, debater, como nunca em outro lado, de encontrar alguém disposto a partilhar a sua opinião, o seu conhecimento factual, a sua vontade de mudar (enquanto outros se fecham num imenso casulo em que a ignorância é segurança) é algo que aqui encontro. que sempre encontrei, que sempre vou encontrar.
e ao voltar para casa, ao pensar em tudo isto, os pássaros continuavam o seu chilrear. Entrei em casa, pensando que aprendi mais nesta noite do que em todo o dia de trabalho que me esperava hoje pela frente.
E ao abrir a porta da entrada, vejo um colega de casa.
A entrar na casa-de-banho.
Nú!!!
E isto é, para mim, Amesterdão no seu melhor.