31 dezembro 2003

a gente vai continuar

Tira a mão do queixo, não penses mais nisso
O que lá vai já deu o que tinha a dar
Quem ganhou, ganhou e usou-se disso
Quem perdeu há-de ter mais cartas para dar
E enquanto alguns fazem figura
Outros sucumbem à batota
Chega aonde tu quiseres
Mas goza bem a tua rota

Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar

Todos nós pagamos por tudo o que usamos
O sistema é antigo e não poupa ninguém, não
Somos todos escravos do que precisamos
Reduz as necessidades se queres passar bem
Que a dependência é uma besta
Que dá cabo do desejo
E a liberdade é uma maluca
Que sabe quanto vale um beijo

Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar

Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar
Jorge Palma

25 dezembro 2003

fogueira de natal, vinho e mágoas

era noite de natal..não sei o que fazia ali..vi ao longe um piromaníaco, um alcoólico com desejo de se destruir pelo fogo..vi putos betos consumindo desenfreadamente toda a riqueza que seus pais possuem, esbanjando-a em coisas supérfluas, em álcool..alguém me disse que o dia de natal é igual ao dia 1 de Abril, ou seja, ao dia das mentiras..não sei se hei-de acreditar..vi também mta inteligência e boa memória..pena que se estraguem tais capacidades em difamação, em mentiras e em coisas q não valem a pena..vi antigos camaradas perdidos na sua lucidez..já não sei quem são..vi um falso irmão que se perdeu, desvalorizou-se e hoje não passa de mais uma sombra desta aldeia..vi aquelas meninas aprumadas na sua desavergonhice..trocas e baldrocas de beijos..amor prometido em vão..e vi os invencíveis..um trio consumido pela solidão de estarmos juntos sempre sozinhos..vi as más línguas que nos quebram, vi os seus olhares fulminantes..ouvi risos histéricos e gritos mudos na escuridão da noite..a fogueira crepitava..mais um pouco de óleo queimado derramado sobre as chamas..o fumo eleva-se numa mágoa crescente..vi dois eternos enamorados separados pelo orgulho..vi medo, vi amor, vi tristeza..já não há uma alma sóbria entre nós..vi putos mais novos seguirem as pisadas dos seus irmãos e estes sentem-se orgulhosos..esquecem-se que os putos são novos demais para tanta emoção e agitação..oferecem-lhes álcool, sentenciando a sua noite..farta de ser atacada por palavras deixei de ver..olho à minha volta e já nada vejo..este pessoal está a perder-se um pouco cada dia que passa..e receio pela nossa geração, que podia ser brilhante mas não passa de uma grande bosta..apesar de estarmos juntos agora nada somos unidos..apreensivos, cada um é uma fera no seu interior, pronta a devorar o próximo antes que seja devorado..não queria que fôssemos assim..mas esta é já uma terra contaminada..dizimada pela inveja, pelo ódio, pelo medo da diferença..podíamos ser um todo..assim somos um nada..cada um para seu lado com medo de falar de amizade..

24 dezembro 2003

inverno

apercebi-me hoje da chegada do inverno..olhei pela janela..a paisagem mudou..as folhas jazem, caídas no chão..os campos enchem-se de água, como se de um rito de fertilidade se tratasse..o frio endurece-me as mãos nervosas e o coração, num tremer miudinho, sofre, gelado..mais um ciclo de estações passado..a estátua sempre na mesma, hirta, saudosa de um tempo que nunca chegou..e os passaros ausentes neste céu cinzento de abandono..as memórias gélidas trespassando-me, dizendo-me que são horas de aquecer o corpo..um conhaque esquenta-me o tubo digestivo..os neurónios faíscam com frio..não saber se vai chover ou nevar..não saber se aguentarei tamanha ausência de calor no meu corpo..apercebi-me hoje da chegada do inverno e tenho medo que ele não parta da minha alma..tenho frio e não encontro nada que me aqueça..

20 dezembro 2003

tumulto

Sinto-me envolta em tumulto, numa roda gigante de feira
No escuro vejo as luzes, o brilho da cidade decadente
Olho, apreendo, observo, calo, fito, sorrio
Presenteio-me com a vida, sentada num céu apagado
Ninguém sabe o que eu sinto mas não precisam saber
Não perguntam e eu espero, quando perguntam não respondo
Já é tarde, o tempo da luz acabou, num ápice, puff
Um amigo, dois amigos, três amigos, a conta certa, estou a mais
Esta ideia que persiste num pensamento, o exílio como solução
Recordar-te no mesmo sítio, evocar-te erroneamente
Pensar um raciocínio como se este fosse real
Trocas e baldrocas, vens aqui e d’acolá, viras para a frente...
Já não sabes caminhos, roubaram-te o sinal
O traço branco, círculo vermelho! Não passes, há nêsperas
Perigos e dores atrás do portão, não te vires para trás
Continua que ele não nota...

elogio da dança

Dança

Linguagem para alem da palavra
manifestação explosiva
por á prova a alma
condução pelo caminho invisível

E a provocação ardente
do teatro simbolista
Movimento estético talvez

Emotivo, erótico, religioso
e místico
harmonia entre o céu e a terra

Libertação dos limites humanos
Evocação da liberdade
Senhor da dança...


Dança por amor
Dança por paixão
Dança até a lua dizer não
Quem dança
como dança
o que dança
Cara dança
Dança cara!!!

"Dança Sobre o Fogo"

by Jacaré

16 dezembro 2003

desassossego

"os momentos tardavam ao som dela. a solidão da minha alma alargava-se, alastrava, invadia o que eu sentia, o que eu queria, o que eu ia sonhar.os objectos vagos, participantes, na sombra da minha insónia, passam a ter lugar e dor na minha desolação.(...)E para quê exprimir?o pouco que se diz, melhor fora ficar não dito.(...)porque tu não amas o que eu digo com os ouvidos com que eu me ouço dizê-lo.(...)Despedi-vos do erro infantil de perguntar o sentido às cousas e às palavras.nada tem um sentido."
"sei que despertei e que ainda durmo.num sonho que é uma sombra de sonhar.uma grande angústia inerte manuseia-me a alma por dentro e, incerta, altera-me.sou todo confusão quieta.há muito que com essa mulher que desconheço erro, outra realidade, através da irrealidade dela.um grande cansaço é um fogo negro que me consome...uma grande ânsia passiva é a vida falsa que me estreita.eu sonho e por trás da minha atenção sonha comigo alguém...e talvez eu não seja senão um sonho desse alguém que não existe...a nossa carne era-nos um perfume vago e a nossa vida um eco de som de fonte.davamo-nos as mãos e os nossos olhares perguntavam-se o que seria o ser sensual e o querer realizar em carne a ilusão do amor...os girassóis isolados fitavam-nos grandemente.e subia-nos o choro à lembrança, porque nem aqui, ao sermos felizes, o éramos...o nosso sonho de viver ia adiante de nós, alado, e nós tinhamos para ele um sorriso igual e alheio, combinado, nas almas,sem nos olharmos, sem sabermos um do outro mais do que a presença apoiada de um braço contra a atenção entregue do outro braço que o sentia.a nossa vida não tinha dentro.eramos fora e outros.desconheciamo-nos, como se houvessemos aparecido às nossas almas depois de uma viagem através de sonhos...(...)na clepsidra da nossa imperfeição gotas regulares de sonho marcavam horas irreais...como é suave saber que nada vale a pena...desenganemo-nos, meu amor, da vida e dos seus modos.fujamos a ser nós...não tiremos do dedo o anel mágico que chama, mexendo-se-lhe, pelas fadas do silencio e pelos elfos da sombra e pelos gnomos do esquecimento...a nossa vida era toda a vida....o nosso amor era o perfume do amor...vivíamos horas impossiveis, cheias de sermos nós...e assim nós morremos a nossa vida, tao atentos separadamente a morrê-la que não reparámos que eramos um só, que cada um de nós era uma ilusão do outro, e cada um, dentro de si, o mero eco do seu próprio ser...a manhã rompeu, como uma queda do cimo pálido da Hora...acabaram de arder, meu amor, na lareira da nossa vida,as achas dos nossos sonhos..."

Bernardo Soares in Livro do Desassossego

Angel mine

he searched for those wings that he knew
that this angel should have at her back
and although he can't find them
he really don't mind
because he knows they'll grow back.
and he reached for that halo that he knows
that she had when she first caught his eye.
although his hand came back empty
he's really not worried
because he knows it still shines

I can't promise that I'll grow those wings
or keep this tarnished halo shined
but I'll never betray your trust
angel mine.

I search all the time on the ground
for our shadows cast side by side.
just to remind me that I haven't gone crazy
that you exist and are mine.
and I know that your skin is as warm and as real
as that smile in your eyes.
but I have to keep touching and smelling
and tasting for fear it's all lies.

I can't promise that I'll grow those wings
or keep this tarnished halo shined
but I'll never betray your trust
angel mine.

last night I awoke from the deepest of sleeps
with your voice in my head.
and I could tell by your breathing
that you were still sleeping
I repeated those words that you had said.

I can't promise that I'll grow those wings
or keep this tarnished halo shined
but I'll never betray your trust
angel mine.

Cowboy Junkies

07 dezembro 2003

aimee mann

o som..aquela voz vibrante..q chama..lembra a sueca que viste na estação..parece-se também ela com a morte..e a quebra violenta no ritmo..e o arrebatamento..e um orgasmo dos sentidos..e pensar que já não se quer mais nada depois..pq o que se procurava foi encontrado..e ter vontade de entregar-se à foice..e depois pensar novamente que não..e não se conseguir desistir..

01 dezembro 2003

porque?

quando tudo à nossa volta circula incessantemente...quando a informação é demais e nos assombra os ouvidos...quando o ritmo não quebra e o corpo já não aguenta...quando as palavras não são ditas e as dúvidas permanecem...que fazer ou pensar?aguentar para quê?porque não anestesiar um pouco a dor?porque não partir para outro lado qualquer?porque não imaginar e sonhar com outros mundos?porque não amordaçar a boca da mentira e da sociedade?e porque não ler henry miller até as órbitas saltarem?ou deambular pela subtileza de kundera?maravilhar.se c a natureza de torga?não.porque não esquecer que se existe e deixar correr?merda..nada disto serve o individuo..nada disto é suficiente..e o corpo jaz no chao..largado por uma alma violada..