30 julho 2004

xiu.que palavra..

 
Silêncio muito silêncio
Estrondoso silêncio que me rodeia
Me abraça e me fala
Saltam-me os neurónios
Não consigo ouvir
E vejo-te em silêncio
Silencioso olhas para mim
Fitas-me e eu olho
Em silêncio
Um silêncio que incomoda
Diz muito sem querer falar
Tudo o que tenho fica para trás
Só existe o silêncio
E existimos nós, seres calados
E que tal uma noite?
Que tal hoje?
olhar novamente para tudo
Viver novamente calados
Sensações sedutoramente silenciosas
E o silêncio continua
Talvez diga que sim
Também poderá dizer que não
Só saberei
Quando quebrares o silêncio
O silêncio dos teus olhos
Deixa-me conversar com eles
Em silêncio
E feliz.

ás vezes escrevo. não sei porquê. sinto as cenas e dá uma vontade de as deitar cá para fora sem que os outros possam antever ou adivinhar o que cá dentro se passa. já lá vai algum tempo desde que escrevi isto. não sei porquê. quer dizer..sei. gostava de não conhecer as razões. gostava de ficar intrigada. mas há coisas demasiado transparentes, demasiado óbvias, demasiado  preto no branco para que se consiga fugir a elas. e mesmo assim não se conseguem perceber ou controlar. talvez saiba porque preciso tanto de um teclado perto e de muitas letras ao redor. talvez seja o peso da falta.

27 julho 2004

para sempre

quem é que disse que o amor aproxima não sei quê? não é verdade. sou um homem experimentado - não é verdade. se eu amasse pouco Sandra ou não a amasse, era-me muito mais fácil falar com ela, lidar com ela e com a irmã e com quem quer que fosse dela, eu livre e independente. amar é pôr ao alto e ao longe, treme-se como diante de um deus tresloucado. amar muito é ter pouco de nós com que se possa ser gente. amar é ser desgraçado e eu era.

de Vergílio Ferreira

o amor não aproxima ninguém. talvez o amor seja como uma tarde de praia com um amigo que já não se vê há muito e com quem já não há muita coisa em comum nem tema de conversa. talvez o amor seja como aquele olhar que pede ajuda enquanto se retrai como um bicho de conta à volta de si mesmo. talvez o amor seja como a pedra que me caiu no nariz sem que eu pudesse adivinhar a sua rota ou a sua vontade. talvez o amor seja como a areia que me foi atirada pelas pernas enquanto o mar pedia a minha presença. talvez o amor seja uma corrida naquele areal perdido de mosquitos. talvez o amor seja como um castelo de areia. talvez o amor nem exista e assim tudo isto perde o sentido. talvez o amor nada seja além de um olhar cúmplice. talvez o meu amor sejas tu.

25 julho 2004

Tango..e quem não dança perde vida

 
Piromaníaca, fogo ardente
Teoria cinético – corpuscular
Fantasmagórico grandioso
Lei da selva, do mais forte
Vou aonde?...
Cantarolando como o vento
Procurando Natureza em teus olhos
Não consigo pensar
Mar adormecido
Chamas que nos consomem, ondas...
No crepúsculo da noite eterna sonho pensando em ti
Falando pela metade
Atravessando o teu olhar
A boca doce... pudim, sopa
Ouvindo o som das estrelas
Escutando o murmúrio do silêncio
Carpe Diem...
A fuga das galinhas
Um boi rosnando lateja
Qual frase imperfeita
Os lábios dançam
Num tango serrado...

já lá vai muito tempo. e não se sabe porque são ditas certas coisas. sentem-se sem saber donde veêm. doem sem se perceber porquê.. e o tango não parou todo o dia, no brilho misterioso de quem se sente feliz por assinar um papel. dizem que foi um dia feliz, quase perfeito. a noite cheia de surpresas e nostalgia por pensar que agora será diferente. foi dito um adeus e deram-se as boas-vindas a uma nova vida. sem forcas, sem rodeios, com muitos medos. e o tango não parou toda a noite. música cigana que balança ondeante pelas pernas de incompreendidos.melodias de alguém que reclama ser o eleito pelo insondável mistério de sabermos quem o é sem percebermos a razão. talvez os sentimentos sejam mesmo isso, pequenos nadas que de pulsão servem para um mais querer. e não sei onde isto vai parar. este abandono, esta ausência sempre presente de quem não sai e também não está. sem compreender o que fazer,  o que pedir, sem poder exigir algo mais pra lá daquilo que existe. e sem saber se continuar nesta luta inexpugnável. sem perceber se é preciso dar um pouco mais de sangue para que tudo fique mais claro. não percebo nem sei se perceberei. e vai continuando sempre esta dor latejante no peito enquanto estamos cercados pela chama que consome. sem nome, sem palavras, sem descrição. e espera-se mais uma vez. talvez seja amanhã ou nunca. talvez passe ou fique pra sempre. nada se sabe e o tango não pára. não pára o tango. não pára não. nunca pára no louco giradiscos aquele tango que me arrasta.

20 julho 2004

ferias

tenho tanta coisa para dizer a ninguém. não sei se me ouvem mas eu vou falando pelos cantos redondos da solidão. um livro encostado numa cabeceira pede que se vivam estórias mortas de seres que nunca o foram. estou preocupada. a leitura esbate-se, num quedar melancólico de quem já não tem força para absorver mais. entro num estado de hipnose, fixo as luzes apagadas no tecto e vislumbro sombras ilusórias. quem lá está perdeu-se na memória. vê-se agora um corpo reunido na nulidade de cada um dos que vieram e me sorriram, formam um todo e estão vermelhos como pulsante sangue. tento comunicar. e lá mais para longe não me ouvem. precisava de falar com cada uma das minhas partes. não falarei com o coração, é um emaranhado de vidas presas por uma teia que não os consegue unir. (e talvez vocês não percebam isto mas é o que sinto). a ti, meus olhos, minhas mãos, minha parte tremente, adoro-te e agradeço-te, espero pelo teu abraço sempre. a ti meus ouvidos, que sabes o que mais ninguém sabe, obrigada por escutares com tanta atenção, mesmo quando não se diz nada. a ti minha boca, obrigada por preencheres com palavras e carinho todos aquelas vezes em que me sinto só e frágil. a ti meu cabelo, obrigada por me aconchegares sempre, enquanto te escondes pelo meu pescoço, sem nada dizer. e a ti, meu pescoço, agradeço pela força, pelas risadas, pela partilha do espaço. a vós, meus seios, que sempre procuraram meus olhos, agradeço-vos por me mostrarem cada vez mais coisas e mais bonitas. a ti experiência, que nem sempre és palpável, já sabes porque digo obrigada, por me dares a conhecer pela primeira vez a amizade, deixando-me vislumbrar sempre todas as outras que foram surgindo a partir daí. a ti minha música, obrigada por me mostrares o mundo. a vós, minhas pernas, meus joelhos, meus pés agradeço em comum. por serem vocês quem me aguenta, por serem vocês quem me consola, por serem vocês que estão comigo. por fim, a vós, meu umbigo, que me poliram tão bem e a quem muito desiludi agradeço por tudo, pela vida, por ser quem sou, e (embora quase nunca eu o veja) por serem tão bons e dedicados.
o corpo vai-se esvanecendo e estão a desaparecer os contornos daquela musa tão delicada que é a memória. nada me afecta neste instante de leveza. vou pra lá do fim, sem saber quando volto. vou pra lá da noite, adormecer numa calma diferente, numa noite diferente, num sono diferente. os olhos pesam-me e continuo sem saber para onde me leva o meu inconsciente bravio e isento de desejos. quedam-se-me os braços por terra, desaparecem as forças que me sustêm. apagam-se-me os sentidos e sei que a noite acabou.

05 julho 2004

love will tear us apart

fica aqui perto. da esquerda para a direita, a imagem, sem legenda, lê-se. perto, lê-se demorada, e íntima: é a figura de um amante.
banham os dez dedos das mãos quatrocentas mil sílabas, e em tudo tocam, agora que o corpo se deixou de encontrar, se deixou procurar. procura.
as noites nunca são tão escuras quando os homens conseguem esquecer tudo o que aprenderam, faltar a tudo o que prometeram, trair tudo quanto acreditaram, só pelo primeiro cetim de um beijo, nesse sabor doido de boca. depois, os amantes partem sempre, deixando, sem vida, tudo aquilo que amaram. partem sempre.
e o que fica, fica perto, dói, não se separa ou atenua - adoece simplesmente, ensinando a quem sente, o prazer terrível da mágoa, a ininterrupta saudade do que nem sequer foi alegria - uma espécie, enfim, de amor. numa espécie de corpo que ficou sozinho.

de Miguel Esteves Cardoso